segunda-feira, 21 de julho de 2008

12.

da série: Iconografia
"Paixão"
óleo s/ tela
Mª João, 2005
"Muitas vezes, no decurso da existência, a realidade me decepcionara porque, ao vislumbrá-la, a minha imaginação, meu único orgão para sentir a beleza, não se lhe podia aplicar, devido à lei inevitável em virtude da qual só é possível imaginar-se o ausente. E eis que repentinamente se neutralizava, se sustinha o efeito dessa dura lei, pelo expediente maravilhoso da natureza, fazendo cintilar a mesma sensação tanto no passado, o que permitia à imaginação gozá-la, como no presente, onde o abalo efectivo dos sentidos, pelo som, pelo contacto, acrescentara aos sonhos da fantasia aquilo de que são habitualmente desprovidos, a ideia da existência, e, graças a esse subterfúgio, me fora dado obter, isolar, imobilizar-a duração de um relâmpago-o que nunca dantes apreendera: um pouco de tempo em estado puro".
Marcel Proust
in Em Busca do Tempo Perdido, vol. VII, o tempo redescoberto.
Edição Livros do Brasil, Lisboa,trad. de Mário Quintana.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

11.

da série: Iconografia
"Fuga para o Egipto"
óleo s/ tela, 73 x 92 cm
"...Talvez esse escritor não possa pensar em alcançar ou comover os cultores de James Michener e Irving Wallace, para não falar dos analfabetos lobotomizados pelos mass media, mas poderá pensar em alcançar e divertir, pelo menos algumas vezes, um público mais vasto do que o círculo daqueles a que Thomas Mann chamava os primeiros cristãos, os devotos da Arte...(...)
Ele pretende simplesmente derrubar a barreira erguida entre a arte e o prazer. Pressente que chegar a um público vasto e povoar os seus sonhos talvez signifique hoje ser de vanguarda e deixa-nos ainda a liberdade de afirmar que povoar os sonhos dos leitores não quer dizer necessariamente consolá-los. Pode querer dizer obcecá-los."
Umberto Eco in "Porquê «O Nome da Rosa»?", Edit. Difel, 1984.

terça-feira, 8 de julho de 2008

10.

da série: Iconografia
"O Manto Azul"
óleo s/ tela, 50 x 50 cm
MJoão, 2006
"O dominicano Giovanni Balbi de Gênes, no sec. XIII, deu-nos uma definição espantosa de figura num dicionário célebre, o Catholicon, largamente utilizado até ao alvorecer do séc. XVI.
No artigo figurare deste dicionário escrito em latim, lê-se: Figurare, a um nível superficial, significa representar uma coisa sob o seu aspecto natural (forma naturae). Mas a um nível bem mais profundo e essencial, figurare torna-se um verbo muito paradoxal, equivalente aos dois verbos praefigurare e mesmo defigurare. Porquê? Porque o acto de figurar consiste estritamente em «transportar ou deslocar o sentido (o sentido da coisa que queremos significar) para uma outra figura» (in aliam figuram mutare). É neste transporte e nesta alteridade que se constitui todo o paradoxo da figura como teia de relações. Figurar uma coisa não é portanto restituir-lhe o seu aspecto natural ou "figurativo".
É exactamente do contrário que se trata, de levar a cabo todo um deslocamento do seu aspecto, para tentar apreender ou aproximar por um desvio, da sua verdade essencial".
In "L´image ouverte: motifs de l'incarnation dans les arts visuels" de George Didi-Huberman, Gallimard, 2007 (trad. minha).